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sexta-feira, 22, novembro, 2024

Da enxada ao trator: indígenas Paresi investem milhões em equipamentos em MT

Unidade 2 de produção na Aldeia Bacaval do povo Paresi. (Foto: Gilmar Koloizomae)

Horas de trabalho na enxada, foice e no machado. É assim que começou o projeto agrícola do povo Paresi, em Mato Grosso, segundo Arnaldo Zunizakae, presidente da Coopihanama (Cooperativa Agropecuária dos Povos Indígenas Haliti-Paresi, Nambikwara e Manoki).  

Ao longo dos anos isso mudou e a cooperativa conseguiu comprar equipamentos de valores milionários, que auxiliam no cultivo de grãos, como soja, milho e feijão. Há 21 anos, o povo Paresi iniciou o projeto da lavoura mecanizada em uma área total de 19.600 hectares distribuídas em cinco Terras Indígenas do estado: Paresi, Rio Formoso e Utiariti da etnia Paresi, Irantxe da etnia Manoki; e Tirecatinga da etnia Nambikwara. 

“O povo Paresi é historicamente agricultor. A gente começou lá atrás na base da foice e do machado e depois passamos para maquinários. Por se tratar de uma agricultura feita no Cerrado, quando a agricultura mecanizada chegou na nova região, nós praticamente já começamos a trabalhar com a lavoura mecanizada. Claro que naquela época, os maquinários eram mais ‘primitivos’, digamos assim”, contou.  

Para utilizar os equipamentos foi necessário se preparar e na década de 1970 o primeiro grupo da comunidade foi para o estado do Rio Grande do Sul em busca de qualificação. Lá, eles participaram de cursos de operação e manutenção de máquinas.

Começo da plantação em território indígena Paresi. (Foto: arquivo pessoal)

“Com o passar do tempo os maquinários foram se modernizando e a gente, quando decidiu implantar a agricultura mecanizada dentro de nossos territórios, viu que não tinha como fazer isso, se não investisse em tecnologia, na formação de pessoas e comprar de fato os maquinários, modernizados”. 

Hoje, nas plantações indígenas Paresi o maquinário é 100% automatizado, operado via GPS, com pilotos automáticos.

Investir é necessário  

A bióloga Andressa Selestina Dalla Côrt, mestre em engenharia agrícola pela UFMT e doutora em agronomia pela Unesp, ressalta que se o produtor não pensar em tecnologia no campo, ele perde em eficiência, produtividade e tempo.  

Para a especialista, a maior perda entre as que citou é o tempo. Como a cada ano as expectativas das safras aumentam e a janela de plantio e colheita estão cada vez menores, é essencial buscar a tecnologia como uma aliada para diminuir os processos.

“É preciso colher rápido para poder plantar a safrinha rápida, porque se não vai parar as chuvas e não vai conseguir que elas se desenvolvam bem. Então, quanto mais a gente conseguir diminuir essas janelas é melhor para as culturas e isso está totalmente ligado a tecnologia no campo. Então, quanto mais tecnológico, mais competitivo vai ser”, ressaltou.  

Nesse sentido, enfatiza que os produtores que não conseguem investir vão estar em desvantagem competitiva em relação aos que são mais tecnificados. “Os prejuízos são tanto financeiros, quanto relacionados às perdas de produtividade e eficiência nas operações”.  

Contudo, o investimento é alto. Segundo a doutora em agronomia, as máquinas podem variar de R$ 250 mil até R$ 5 milhões. As mais caras, normalmente são as colhedoras. “A gente falando em colhedora de grãos é algo em torno de R$ 500 mil a R$ 4 milhões”, comentou.

Custo com maquinários é alto para os Paresi  

Para o líder indígena Paresi o valor dos equipamentos é o que mais onera na agricultura. Mas, essencial, eles conseguiram alternativas para comprá-los.  

“Como a gente não tem a linha de crédito de financiamento trabalhamos com compras em produto. Ou seja, basicamente dá o produto como garantia e paga as prestações dos maquinários com a produção. Isso dificulta e encarece, porque você precisa ter alguém que confia e que não cobre preços exorbitantes sobre esses maquinários”, explicou.

Geração de emprego e renda  

Mas, o resultado tem sido positivo, segundo Arnaldo. Por ano, os Paresi movimentam R$ 130 milhões com o cultivo de grãos. Hoje, a produção emprega aproximadamente 250 trabalhadores diretos, dos quais 95% são indígenas.   

Do dinheiro arrecadado, os Paresi também separam uma porcentagem para assistência social do próprio povo. 

Cada indígena que vive em uma das terras indígenas onde atua a Coopihanama recebe, em média, R$ 4 mil por ano como repasse social, o que Arnaldo comparou ao Bolsa Família, programa do Governo Federal, que beneficia famílias carentes. 

Em 2023, a cooperativa destinou R$ 8 milhões para o programa. 

Área de plantio no território Paresi. Foto: Gilmar Koloizomae

Agricultura e PIB do Brasil

O Brasil registrou crescimento de 2,9% no PIB (Produto Interno Bruto), em 2023, e voltou a integrar o grupo das 10 maiores economias do mundo. 

Conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no primeiro semestre, a economia cresceu com mais força do que era previsto, registrando alta de 1,3% nos três primeiros meses e de 0,8% no segundo trimestre.

O crescimento foi puxado, sobretudo, pela agropecuária, que viveu um ano recorde em 2023, com uma alta de 15,1%, e impulsionou outros setores, como as exportações e a indústria de alimentos.

Apoio do Mapa  

O plantio em territórios indígenas ainda gera discussão. Para o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, o que deve prevalecer é a vontade dos povos originários.  

“Quanto ao direito de produzir grãos nós temos que estar baseados na lei. A organização mundial do trabalho [OIT] na resolução 69 prevê que o que deve prevalecer é a vontade voluntária dos indígenas, se querem produzir ou não. Se querem mudar os hábitos, ou manter as suas tradições. E assim deve ser feito, consultados e daí se decidirem produzir, as regras serão implementadas. O governo está atento a isso e serei um defensor das boas práticas. Principalmente, ao desejo da comunidade indígena”, disse o ministro ao Primeira Página.  

O que diz Aprosoja  

O presidente da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho) em Mato Grosso, Lucas Costa Beber, informou que duas cooperativas de agricultores indígenas estão associadas a instituição e o trabalho realizado pelos Paresi tem sido modelo para outras comunidades do estado e do país.  

“Vem etnias de todo o Brasil conhecer a produção deles. A gente vê parte dos indígenas Xavante agora procurando, iniciando a produção. Tem os indígenas Bakairi também, porque o indígena tem o direito de escolher aquilo que é melhor para eles. Muitos querem se modernizar e a agricultura traz isso, renda, melhor qualidade de vida e a gente vê essas etnias buscando. Tudo aquilo que é possível e dentro da legalidade, que a gente pode dar apoio, a gente tem apoiado eles”, disse o presidente da Aprosoja. 

Funai e MPI não se manifestaram  

Primeira Página entrou em contato com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e o MPI (Ministério dos Povos Indígenas) e questionou sobre o número de terras indígenas utilizadas para plantação de grãos em larga escala em Mato Grosso e como as instituições têm atuado, mas até a publicação da matéria não obteve retorno.  

Fonte: Primeira Página

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