Os recursos públicos recebidos pela Associação de Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (AprosojaMT), desde 2008, quando foi criado o sistema orçamentário da Sefaz, o Fiplan, chega a R$ 421 milhões, de acordo com auditoria feita pela Controladoria Geral do Estado (CGE) e reportagem de A Gazeta de sexta-feira (10), que apontou a existência de repasses que somaram R$ 138 milhões entre 2019 e julho de 2021.
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O relatório produzido pela CGE em 2018 mostrou que o valor se aproxima de meio bilhão de reais. O relatório de auditoria 0047/2018 apurou os repasses com base em documentos do Sistema Integrado de Planejamento e Contabilidade e Finanças, o Fiplan. Somado ao valor contabilizado pela reportagem, com base em documentos públicos, o valor de recursos recebidos pela Aprosoja de 2008 a 2021, chega a R$ 421 milhões.
Estes valores chegaram por meio do Fundo de Apoio à Cultura da Soja, criado em 2015. Fundo este que, em 2019, passou a se chamar Instituto Mato-grossense do Agronegócio (Iagro) e que passou a ter recursos recolhidos junto com o Fethab para quem não quer pagar ICMS. O valor pode ser ainda maior, uma vez que a auditoria não calculou repasses do período de 2005, quando foi criado o Facs, até 2008.
O Iagro tem o mesmo presidente da Aprosoja Brasil, o produtor rural bolsonarista Antônio Galvan, alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por financiar atos antidemocráticos. Financiamento este que, de acordo com o ministro Alexandre de Moraes, foi feito com recursos do Instituto.
Convênio garante repasse
Antônio Galvan firmou o convênio 002/2019 com a Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) que atende a legislação permitindo que parte do dinheiro do Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab) seja destinado ao Iagro. O instituto não presta contas publicamente das arrecadações, de modo que até hoje cidadãos mato-grossenses não sabem como é feita a destinação dos recursos.
No final de 2020, o Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Agrícola, Agrário e Pecuário do Estado de Mato Grosso (Sintap/MT) entrou com um requerimento no Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) em que pedia investigação sobre os valores recebidos e a forma como foram utilizados. Em janeiro de 2021, o promotor de Justiça Célio Roberto Furio arquivou o pedido por classificar que o Iagro é uma entidade privada e que, por conta disso, não poderia ser investigada pelo MP.
O arquivamento ocorreu cerca de 8 meses antes da Procuradoria Geral da República (PGR) afirmar, em ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), que o dinheiro do Iagro pode ter sido utilizado para financiar atos antidemocráticos, que pediam a extinção do STF e o fechamento do Congresso Nacional.
O pedido do Sintap ao Ministério Público foi feito logo depois que a Aprosoja financiou uma campanha publicitária em que defendia a reforma administrativa e o fim da estabilidade dos servidores. O Sintap desconfiou que recursos públicos haviam sido utilizados para propagandas veiculadas em rádio e televisão.
“O Decreto 12/2019 regulamentou a contribuição para o Iagro e estabeleceu a alíquota de 1,15% por tonelada de soja e a finalidade dos recursos seria exclusivamente para o financiamento de ações de desenvolvimento da cultura da soja e organização da produção, o que não ocorre e que boa parte da verba estaria sendo destinada para campanhas publicitárias; e que anualmente seriam repassados à Aprosoja em torno de R$ 54 milhões sem controle e sem fiscalização”, diz trecho do pedido do sindicato.
MP alega ser imposto
Em nota enviada ao MP em razão do requerimento, a Aprosoja admitiu que recebe recursos do Iagro, mas defendeu que a contribuição paga por produtores rurais ao Instituto não é um imposto e, portanto, não se trata de dinheiro público. “As contribuições destinadas ao Iagro são privadas e já foram judicialmente declaradas como espontâneas sem caráter tributário (TJ/MT- RAC 2106/2007; STJ- Resp 960.900- MT; STF- RE 602.492- MT), inclusive foi objeto de análise por este órgão nos autos do Processo SIMP 006619-001/2015 onde verificou-se a distinção entre as contribuições do Fethab e as destinadas às instituições privadas como Iagro e que não há repasse daquele a essa”, diz trecho da resposta da Aprosoja.
De acordo com a Lei 7.263/200, que criou o Fethab, uma das condições para o produtor rural não pagar ICMS é recolher 1,15% do valor da UPF/MT por tonelada de soja transportada. O dinheiro é arrecadado pela Sefaz e repassado para o Iagro. Na prática, o arranjo jurídico permite que a contribuição paga ao Estado para que produtores permaneçam isentos de pagar ICMS, volte para a mão dos produtores rurais através do instituto.
Ao analisar as manifestações da Aprosoja e da Sefaz, o MP entendeu que apesar do pagamento dos recursos ser condição para diferimento do ICMS as contribuições ao antigo Fundo de Apoio à Cultura da Soja (FACS, atual Iagro) possuem “natureza distinta das destinadas ao Fethab e são contraprestações pecuniárias facultadas aos contribuintes do ICMS como contrapartida ao benefício do diferimento deste tributo e ainda, não se revestem de caráter compulsório (não sendo tributos)”.
Ministro manda bloquear contas
Na contramão da decisão do Ministério Público, o ministro Alexandre de Moraes afirmou, em pedido de bloqueio das contas da Aprosoja, que tanto o Fethab como o Iagro são recursos públicos. E que este dinheiro pode estar sendo utilizado pela associação para financiar protestos antidemocráticos em Brasília.
“Cita-se a utilização de receitas advindas da Aprosoja Nacional, e de possível uso da estrutura da Aprosoja-MT (de onde é originário o atual presidente investigado) a serem destinadas aos apoiadores de atos antidemocráticos. Para tanto, seriam utilizados fundos (Fethab e Iagro) compostos por recursos públicos (contribuições), os quais, segundo documento dos autos, não possuem uma maior transparência nem têm sido destinado para suas finalidades originárias, mas sim, como capital para o financiamento de agentes para a realização das condutas antidemocráticas acima descritas.”, diz trecho.
A auditoria feita pela Controladoria Geral do Estado (CGE) em 2018 demonstrou que entre 2008 e 2018 o Iagro (que no período era denominado Facs) recebeu o valor total R$ 283.727.730,83 de recursos considerados pela própria CGE como públicos. Entre as irregularidades encontradas, está o fato de que o dinheiro do erário foi repassado para as entidades privadas sem “instrumento autorizativo”. Irregularidades como esta, conforme a Controladoria, ocorrem há pelo menos 10 anos.
“Constatou-se a inobservância ao ordenamento jurídico que trata da transferência de recursos públicos para a iniciativa privada. De fato, a arrecadação proveniente das contribuições ao Facs recebem tratamento de recurso privado. Essa situação vem ocorrendo há pelo menos dez anos, período de existência do sistema Fiplan, do qual foram extraídas as informações financeiras utilizadas nesta auditoria”, diz trecho do Relatório de Auditoria 0047/2018.
CGE tenta explicar mecanismo
A CGE também retrucou a informação da Aprosoja de que o próprio MP teria se manifestado classificando os recursos como privados em um procedimento de 2015. De acordo com o órgão, o Ministério Público disse apenas que as entidades que recebem o fundo são “privadas”, mas não afirmou o mesmo sobre os recursos.
A CGE defende que como há entendimento do STF de que o Fethab é composto por recursos públicos não faria sentido classificar os recursos do Iagro (antigo Facs) como recursos privados, uma vez que a natureza jurídica dos dois fundos é idêntica.
“Em suma, não há que se falar em recurso privado, pois a obrigação de contribuição não decorre de acordo ou contrato celebrado entre particulares, mas sim do exercício do poder extroverso por parte do Estado”, completa.
Outro lado
Em nota enviada à imprensa mantém a informação de que o valor repassado para o Iagro trata-se, na verdade, de recurso privado. Reportagem do jornal A Gazeta em 10/09 revelou que a Aprosoja recebeu R$ 138 milhões em recursos públicos em 3 anos.
A Aprosoja defendeu que “o Iagro é uma contribuição voluntária a uma entidade privada, equivalente a 1,15% do valor da UPF/MT por tonelada de soja transportada. Segundo entendimento do próprio Ministério Público do Estado de MT (Procedimento 006619-001/2015), os recursos repassados à Aprosoja não são verbas públicas, além disso, a entidade não recebe subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício de órgão público, muito menos o erário concorreu com menos de 50% do seu patrimônio ou receita anual conforme estabelece o parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.429/1992, portanto não cabe ao órgão auditar suas contas ou contratos”, diz trecho da nota.
Fonte: Gazeta Digital-Lázaro Thor Borges